07 janeiro, 2008

Num dos planetas da quarta sesta do margaceiro



"Num dos planetas da quarta sesta do margaceiro o Penostra de Belém andou de peneireiro a mirantar as didezas causadas pela falta de regatinha das carrascudas nas terrujas do trastagano. Devido à trilha ser muito teodorinha para os do Noé na dos sete palmos daquelas terrujas há muitos pasmados sequeiros e houve até alguns que encolheram os mirantes por causa da âmbria".

Esta a notícia publicada na edição n° 423 do Jornal de Minde, da qual, por certo, o meu leitor não logrou entender patavina.

Segue a tradução: "Num dos últimos dias de Março o Presidente da República andou de helicóptero a ver os prejuízos causados pela seca nas terras do Alentejo.
Devido à falta de pastagens naquela região, o gado bovino encontra-se em estado de grande magreza havendo até casos de animais que morreram devido à fome".
O texto por que introduzimos esta crónica é a expressão, que o tempo vai desgastando, do linguajar da gente de Minde. É a "piação do Ninhou", o calão dos habitantes de Minde, de outros tempos, claro está.
Terra agreste e avara. De um lado a Serra de Aire, à ilharga a de Santo António. Na terra escassa e vermelha, tanto quanto o permitem as intermitências dos calcários, medram carvalhos, medronhos, alecrins. E oliveiras, ralas.

Em 1147, D. Afonso Henriques trilhou os caminhos da serra. Vinha de Coimbra. E terá sustido a marcha no sítio que mais tarde passou a ser Minde. Pouco tempo se deteve o rei, de longada para Santarém. Apenas o bastante para dar descanso à peonagem e às montadas. E concertar com Mem Ramires um estragema para desalojar os mouros da vila.
Por ali -falo de Minde- se mantiveram, todavia, alguns pastores, afrontando as inclemências da serra bruta e agreste. A pastorícia potenciou o fabrico artesanal de lanifícios.
E foi assim que, ao longo dos tempos, os homens de Minde se fizeram cardadores, mercadores de lãs, vendedores de mantas.
Caberá, por isso, falar do calão minderico que é uma modalidade de gíria, com carácter reservado e específico de uma comunidade regional, destinado a não ser entendido senão por um grupo de pessoas.

O calão minderico é um código linguístico próprio de um grupo sócio-cultural que deambulava pelas feiras mercadejando lãs.
A gíria ou calão minderico, a “piação de charales”, assumia, nessas circunstâncias, um carácter instrumental, deliberadamente hermético. Um linguajar destinado a ser usado numa esfera restrita de pessoas, inacessível a não iniciados; um exercício, afinal, de autodefesa do grupo.
O grupo, todavia, a comunidade que sustentou o calão minderico dá hoje sinais de manifesta desagregação.
A indústria das lãs, das mantas de Minde, factor de desenvolvimento e progresso da vila, mergulhou em profunda decadência. Sem remissão.
Minde é agora uma recordação, tirante a etnografia, ela própria também do passado.



Subsiste a paisagem, única, deslumbrante. Os campos de lapiás, os matos rasteiros, oliveiras, azinheiras. E lapas, grutas, algares.
De par com os cardos e alecrins, as primeiras chuvas farão desabrochar narcisos, orquídeas, jacintos-das-campos.
E se o Inverno for generoso, terá o leitor diante de si um trecho de paisagem sem par, o polje de Minde, um fenómeno natural único no país.
O polje é uma lagoa de grandes proporções que se estende por uma depressão plana, entre Minde e Mira de Aire, e que, após alguns meses, se esvai, indo alimentar os aquíferos que integram o sistema hidrográfico da região. Dos muitos, aliás, admiráveis caminhos que o leitor poderá percorrer permito-me sugerir-lhe, ao acaso: Torres Novas, Moitas Venda, Serra de Santo António, Minde.

Cumprimentos do covano da terruja de S. Martinho.
Ou seja: cumprimentos deste seu amigo da Golegã.
Farinha Marques in "O Riachense"

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