11 junho, 2009

Mindrico: A fala secreta dos têxteis de Minde e Mira de Aire (II)

Alé carranchanos e covanos antónio forno da piação dos charales do Ninhou.

Fiquei extremamente chocada com o que li, por um lado pela falta de investigação de base que esta notícia revela (não há qualquer referência ao actual trabalho de documentação e revitalização do minderico, enquadrado no programa DOBES e financiado pela Fundação Volkswagen) e, por outro, pela imprecisão e até mesmo desconhecimento da realidade linguística aqui descrita, bem como por algumas observações do Prof. Abílio Martins.

Comecemos por exemplo pelo título da notícia: "Mindrico: A fala secreta dos têxteis de Minde e Mira de Aire". Que veracidade deve ser concedida a uma notícia que nem sequer "MINDERICO" sabe escrever? Uma coisa é a forma como se diz, outra a forma como se escreve. Curioso os tais estudiosos que a notícia fala não saberem isso. Por outro lado, erros desta natureza na nomeação do tema central da notícia revelam a tal falta de investigação e o fraco trabalho jornalístico a que me refiro no parágrafo anterior.

Por falar em estudiosos, já agora perguntaria que estudiosos???? Nos cerca de 2 séculos de existência (baseados apenas nos registos escritos) do minderico NUNCA ninguém do nível académico se interessou em estudar A SÉRIO a variante linguística que o minderico representa. O que temos à disposição até ao momento são os glossários produzidos em Minde - sem qualquer intervenção de linguistas, um artigo de Serra Frazão na Revista Lusitana no início do século passado com uma lista de vocábulos mindericos, uma tese de doutoramento de 2004 que faz referência ao minderico (relata apenas a sua existência mas não lhe faz qualquer análise) e NADA MAIS, além do trabalho que eu própria, enquanto linguista, tenho vindo a desenvolver com o minderico desde 2001.

A primeira abordagem científica feita ao minderico foi apresentada por mim na Universidade de Munique em 2004. Onde estão então os estudiosos que tecem considerações sobre uma realidade linguística que desconhecem na íntegra?

É muito fácil lançar epítetos e elaborar classificações do género "falar secreto sem características para ser considerado língua", "uma língua de comportamento secreto" mas pergunto-me quais são as bases para o fazer? Classificações e considerações baseadas no que "se ouviu dizer" sem análise in loco da realidade em causa são para mim marcas de, por um lado, linguística de secretária e, por outro, total desconhecimento do que se afirma e até uma certa preguiça intelectual.

Que tipo de factores linguísticos são estes para delimitar o que é ou não uma língua:
a) "Foi a língua em que as pessoas aprenderam a falar e portanto tem um significado afectivo muito forte. " [Afirmação da Prof. Drª. Maria Helena Mira Mateus relativamente ao mirandês]. Neste ponto concordo inteiramente com a Prof. Drª. Maria Helena Mateus. A relação do falante com a sua língua bem como a identificação que daí avdém são de facto factores determinantes para numa classificação língua ou dialecto. Mas sendo assim o minderico também é uma língua! Das várias entrevistas que efectuei em Minde foi-me muita vez relatada a aprendizagem do minderico através de transmissão geracional, de pais para filhos. Tive também oportunidade de constantar no trabalho em Minde a forte relação dos mindericos com o minderico (alguns evitam falá-la, o que é normal em comunidades bilingues; outros, por sua vez, orgulham-se bastante dela). Isso retira ao minderico o significado afectivo forte que o consideraria uma língua de acordo com o argumento da Prof. Drª. Maria Helena Mateus? Ou será este apenas um critério que revela pouco ou nenhum conhecimento da realidade minderica? Por outro lado e voltando a mais um comentário da professora relativamente ao mirandês e comparando-o com o minderico ("Não é uma língua de comportamento secreto"), gostaria de realçar que com o alargamento do vocabulário inicial e dos contextos de utilização, bem como o consequente alargamento da comunidade de falantes (todos os grupos sociais da comunidade minderica) no final do século XIX e inícios do século XX, o minderico afastou-se das suas origens (língua secreta) e, como tal, perdeu também o tal “comportamento secreto”.

b) serão antes as "características, fonética e estruturas próprias" que delimitam uma língua? Primeiro, enquanto linguista, pergunto-me sinceramente que base tem uma classificação desta natureza? Que características devem ser tidas em conta? Ou melhor, o que se entende aqui por "características"? Não são as "estruturas próprias" e a "fonética" também características de uma língua? Mas partimos então por segundos do pressuposto que a listagem de elementos faz sentido; se assim é, os tais "estudiosos" revelam um perfeito desconhecimento do minderico porque só quem conhece o minderico na sua profundidade sabe o quão diferentes as suas estruturas são do português(e falo de estruturas morfossintacticas e até acrescentaria estruturas pragmáticas, sem esquecer as especificidades fonéticas do minderico).

Como será vista pelos tais "estudiosos" a não inteligibilidade entre minderico e português ou a utilização do minderico em todos os contextos, como língua de comunicação diária em Minde no tal "apogeu" que o próprio Prof. Abílio reconhece? O que dirão então ao facto do minderico ter perdido há muito o tal comportamento secreto? Ou que conhecimento revelam quer das possíveis evoluções das línguas secretas quer de outras línguas que, tal como o minderico, surgiram como línguas secretas e se tornaram a língua principal da comunidade (para alguns exemplos pode consultar Klaus Siewert (ed.) 1996. Rotwelsch Dialekte)? Porque será que a notícia terá esquecido de reflectir também acerca do facto de que a classificação (ou não) de uma variante linguística como língua é uma questão, na maioria das vezes, política?

Esses factos nem sequer referidos são e porque será? Puro desconhecimento do que é o minderico?

Desculpem o meu desabafo mas não poderia deixar uma tal aberração sem comentário e por isso pretendo oficializar o meu comentário (ainda mais elaborado) junto das entidades que publicaram esta notícia.

Pedia a vossa ajuda nesta tarefa. Deixem aqui a vossa opinião. Não deixem o assunto ficar simplesmente por aqui com comentários do género "nem vale a pena ligar ao que escrevem porque não sabem o que dizem" porque no final, se não reivindicarmos, será esta abordagem absurda que prevalecerá.

Um cruzeiro a todos
Vera Ferreira

8 comentários:

PM disse...

Lince, Carranchana Vera!

Mais uma vez muito obrigada pelo teu soberbo empenho e dedicação a esta tão nobre causa que é a Piação do Ninhou, e que alguns Charales, com deveres muito maiores, tanto a têm desvalorizado.

Considero e respeito muito o Prof. Abílio, mas acho que aqui foi muito infeliz e meteu água. Há dias assim.

Embora a notícia seja proveniente da Agência Lusa, já me inscrevi e fiz um comentário à mesma no Jornal Expresso, e seria bom que mais alguém o fizesse. Esta deconsideração jornalística que fizeram ao nosso maior património cultural não pode, nem deve, passar em branco.

Confesso que só após algumas explicações da Dra. Vera sobre a construção fonética do Minderico, me comecei a apreceber da verdadeira hipótese de elevar o Minderico à classificação de língua.

Também tenho a noção que muitos Mindericos ainda não se apreceberam bem do que está aqui em jogo, e tal com o n/ professor, ainda pensam que isto é algo somente como "reavivar umas brasas que estavam apagadas". Eu acho que não, e já muitos também o entendem assim.

Acho importante que a Dra. Vera elabore um documento que se faça chegar à Lusa. Não tanto em forma de desmentido, mas em forma de artigo (não muito extenso) para que o mesmo tenha hipótese de ser difundido e publicado.
Como lá chegar? Não sei bem, mas talvez o carranchano João Querido Manha nos possa dar uma ajuda.

Se algum charal do ninhou souber e nos puder dar alguma ajuda nesta matéria seria ouro sobre azul.

Um Cruzeiro,
Pedro Micaelo

Anónimo disse...

Acho que a ideia de pedir uma ajuda ao Charal João Querido Manha é uma boa opção.Tem os melhores contactos e talvez com a sua ajuda fosse possível a realização de uma reportagem onde se colocassem os pontos nos i's com pessoas que saibam a verdadeira realidado do MindErico, que pelos vistos não é o caso do prof. Abílio.Mais uma vez um grande lince ancho a nossa verdadeira chefe da classe do touquim Vera, e claro ao Carlos Amoroso.
Contra tudo e contra todos a nossa Piação vai Vencer

JMQ disse...

Amanhã vou tentar em contacto com o jornalista da Agencia Lusa que elaborou o artigo. Todos temos de ajudar. O Micaelo de certeza que tem o contacto do nosso jornalista de desporto, também temos o João Querido que foi (não sei se ainda é) jornalista do Expresso na área de informática (um dia consegui entrar em contacto com ele, ele é meu primo embora tenha nascido no Algarve), temos de dar projecção nacional ao projecto da Dra. Vera e tentar diminuir o impacto negativo deste artigo e das opiniões infelizes dos seus protagonistas.

Vera Ferreira disse...

Alé carranchanos,

noto que estamos unidos por uma causa que a todos vocês enquanto falantes de minderico diz respeito. Recebi hoje esta mensagem por email e gostaria de a partilhar convosco:

"Foi com alguma surpresa e muita mágoa que li em blogues as palavras proferidas por um minderico que muito prezo.
Quando deveriamos estar todos muito satisfeitos e apoiarmos o trabalho da Pro. Dra Vera Ferreira, sujamo-nos com palavras como estas.
Lamento que o espírito que norteou os nossos avós a construirem uma linguagem secreta, primeiro aplicada ao negócio e depois, aplicada
as suas vidas no dia a dia, seja para alguns, um motivo de indiferença e de desprezo.
Num mundo como aquele em que vivemos, mundializado ou globalizado, como quiserem, devemos enaltecer o que é nosso, o que nos identifica e que deve ser motivo de orgulho para todos nós - Mindericos.

Este zegrego que jordo pelo tece-tece, sem estar antónio forno, vai apiamado de dideza por o que mirantei pelo bruxo.
Para os covanos que não penetram da nossa piação, estas que gambio à do pinto lopes, são o zé balela que a piação dos xarales não emana só com menízias, imprimadores, e rijos. Se jordarmos da chaveca, a piação à modeia também emana pelancho para amuntassar o que nos pia a biata do tróia.

Tradução: Este escrito que mando pela Internet, não me deixa satisfeita e vai cheio de tristeza pelo que li no computador. Para aqueles que não entendem a nossa língua, estas palavras são a prova que a Língua Minderica não serve só para falar de mantas, de cardadores e de negociantes. Se pensarmos bem, o Minderico também serve para exprimirmos o que nos vai na alma.

Uma Xarala dos 4 costados"

Anónimo disse...

Olá a todos:
Em primeiro lugar, o que eu esrevo aqui, não irá passar a ser mais do que um comentário, e opinião pessoal.

O Prof. Abílio foi meu professor na Escola Primária, foi ele quem me ensinou a ler, escrever e contar. Tive, Tenho e Terei sempre extrema consideração por ele.

Deposito toda a credibilidade nas palavras que o Prof. Diz, Não naquelas palavras escritas numa qualquer agência de informação. Pois é sabido que nem toda a notícia é 100% verdade

"Penso que as palavras do prof. Abílio foram apenas "usadas" para corroborar o que a Prof. Maria Helena Mateus afirma"
Vera: Se tivesses sido aluna do Prof. Abílio, não pensavas, TINHAS A CERTEZA que as palavras do prof. Abílio foram apenas "usadas" para corroborar o que a Prof. Maria Helena Mateus afirma, o prof. Abílio é das pessoas que sempre lutou pelo Minderico.
Não vamos esquecer que o prof. Abílio não faz parte da "nossa" geração, é normal que utilize frazes que são mais usadas por os "antigos" e o Prof. Abilio deve estar muito perto dos 80 anos.

Não acho justo alguém se aproveitar de uma fraze menos nobre do prof. Abílio (Se é que a fraze foi mesmo afirmada da forma como vem na notícia da agência lusa) para o mandarem calar, dizer que está com inveja de alguem, ou até outras coisas. Devemos todos respeitar o Prof. Abílio, não só pela sua idade, como também pela sua personalidade, cultura e interesse por Minde.

Quanto a Trabalho da Dr. Vera, esse é de LOUVAR, e nós Mindericos devemos todos orgulhar da piação do Ninhou tanto como o Prof. Abilío, ou ainda mais se quiserem.

Luis Achega (1975)

Anónimo disse...

Concordo completamente com o Luis.

Anónimo disse...

6º planeta à fusca tudo à classe do touquim na classe do mestre migança.

Anónimo disse...

O nosso Prof. Abilio é que não deu mais sinais de vida. Nem aparece por Minde. Anda fugido ou quê?

Esperemos que na edição que vai sair do Jornal de Minde ele se justifique de algum modo.